8 de abril de 2011

Livro narra a história de um homossexual no campo de concentração nazista

Triângulo Rosa

Em 2008, aos 95 anos, Rudolf Brazda decidiu sair do anonimato. Após a inauguração de um monumento às vítimas homossexuais do nazismo em Berlim, na Alemanha, ele pôs fim a longos anos de silêncio. Surgia, então, aos olhos do mundo, o último sobrevivente conhecido dos quase 10 mil homossexuais que estiveram nos campos de concentração nazista. Identificados como triângulos-rosa, milhares de gays foram caçados pelo regime de Hitler, embora até pouco tempo se negasse essa perseguição sistemática.

Com a matrícula 7952, Rudolf ficou preso em Buchenwald de 1942 a 1945. No livro Triângulo rosa - Um homossexual no campo de concentração nazista (184 pág., R$ 48,90),  lançamento da Mescla Editorial, Jean-Luc Schwab, pesquisador e militante dos direitos dos homossexuais, conta em detalhe essa história. Sustentado por um rigoroso trabalho de pesquisa, ele reconstrói a vida de Rudolf, que se abre num depoimento marcado pela dor e pela esperança de quem sobreviveu aos horrores do nazismo.

A vida de Rudolf seguia seu curso agitada ao sabor dos imprevistos históricos e políticos de uma Europa em plena transformação. Nascido de pais tchecos no vilarejo de Brossen, perto Leipzig, na Alemanha, tinha apenas 20 anos quando os nazistas tomaram o poder. Definida a sua orientação sexual, ele viveu tranquilo nos primeiros anos de 1930. Em 1935, no entanto, o novo regime endureceu a lesgislação contra os homossexuais, reforçando os termos do parágrafo 175 do código penal. Começava, assim, o cadastramento de gays na Central do Reich. O objetivo era reprimir a homossexualidade. De acordo com as estimativas da época, em torno de 100 mil pessoas foram fichadas, entre elas Rudolf e seus amigos.

Com a ascensão do nazismo, o período de relativa tolerância para com os homossexuais chegou ao fim. As investigações se multiplicavam para encontrar conhecidos ou presumidos. Rapidamente chegaram a Rudolf, que foi preso em 1937 sob a acusação de "luxúria antinatural". Depois de seis meses de detenção, acabou expulso do território alemão e decidiu ir para a Tchecoslováquia - que, do ponto de vista do direito, ainda era a sua pátria. Em Karlsbad, Rudolf esperava retomar a vida. Porém, em 1938, o regime de Hitler atravessou o seu caminho mais uma vez. Com a anexação da província dos Sudetos - onde fica Karlsbad - pelos nazistas, as leis alemãs passaram a ser aplicadas com rigor. Em pouco tempo, Rudolf foi preso novamente e condenado a 14 meses de prisão.

A pena foi cumprida integralmente, mas Rudolf não chegou a ser libertado. No auge do regime de Hitler, os campos de concentração se propagaram para abrigar prisioneiros de guerra, comunistas, social-democratas, judeus, testemunhas de Jeová, ciganos e homossexuais. Em 8 de agosto de 1942, ele foi mandado para Buchenwald. Durante três anos, num lento processo de desumanização, viveu e presenciou todo tipo de atrocidade. Certa vez, escondido sob o telhado, deitado de bruços sob o forro, ele e Fernand, um companheiro de prisão, presenciaram a execução de soldados soviéticos. "Acabamos nos habituando à ideia de morrer a qualquer instante. Não tínhamos medo de morrer e, se fôssemos pegos, poderia ter sido fatal. Ver gente morrendo nos deixava quase indiferentes, pois isso era constante no cotidiano. Hoje, choro toda vez que me lembro desses instantes terríveis, mas na época eu endureci para sobreviver... como os outros", relata.

A história de Rudolf Brazda é única sob vários aspectos. Além de constituir a face de uma verdade pouco documentada - a deportação por homossexualidade – o livro conta a vida de um grande otimista, cujo otimismo permaneceu intacto. "Suas várias gargalhadas e seu entusiasmo indefectível não podem ser separados de sua surpreendente longevidade. Uma distância e tanto das agruras do passado", afirma o biógrafo Jean-Luc Schwab.

Para recompor a trajetória de Rudolf da maneira o mais exata possível, Schwab recorreu a várias centenas de horas de entrevistas com diferentes fontes. Também buscou auxílio nos documentos de época ainda sob a posse de Rudolf, no testemunho de pessoas que conviveram com ele ou com seus conhecidos e nas numerosas pesquisas pessoais em arquivos alemães, tchecos e franceses. A esse material, ele acrescentou diversas viagens aos antigos lugares ligados à vida e ao confinamento do biografado, entre as quais duas em companhia dele, em março e novembro de 2009.

Alguns anos depois da libertação, em 1950, ele conheceu Edi, seu companheiro por quase meio século, que morreu em 2003, aos 73 anos. Rudolf, fiel até o fim, estava ao lado dele. Quando lhe perguntam como vê a vida, do alto dos seus 97 anos, Rudolf declara com prazer: "Atingi uma idade avançada e vivi mais tempo do que meus irmãos e irmãs, assim como mais do que meus amigos e companheiros de deportação. Passei quase 50 anos com meu querido Edi e hoje ainda consigo sempre satisfazer as minhas vontades sozinho: faço a comida, as compras, lavo a roupa e arrumo a casa. Se Deus existe, ele foi particularmente bom comigo, porque tive uma vida feliz e plena. E, se eu tivesse de refazer tudo, não mudaria nada, nem mesmo Buchenwald".

Onde: Melhores Livrarias
Quanto: R$ 48,00
184 paginas.
Mescla Editorial

Por: CesarGiobbi  /// TigoRodrigues

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